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Gestão de pessoas no universo médico

By 5 de julho de 2014 No Comments

Há um tempo atrás foi-me encomendado um artigo sobre gestão de pessoas para médicos. Como a FTR, empresa da qual sou sócio, é dedicada ao desenvolvimento de pessoas, o pedido soou razoável. Contudo, o detalhe de ser dirigido a médicos me travou, afinal, o que diferencia um profissional liberal de outro empregador qualquer? Agora, enfim, resolvi encarar o desafio fazendo uso de uma premissa da FTR: as soluções têm que considerar as peculiaridades do cliente, não podem ser um prêt-à-porter.

medico gerente

Assim sendo, vamos separar o texto em dois tipos de médicos empregadores, o mini e o empresário. Entendamos mini-empregador como o médico que tem um consultório com um profissional na recepção e, no máximo, um assistente para procedimentos e outra(s) pessoa(s) cuidando da limpeza. O empresário, de outra parte, é dono ou sócio-gestor de uma clínica, a qual tem em sua equipe, também, profissionais de saúde.

O mini-empregador encontra a mesma característica de equipe que um condomínio pequeno. São empregados que nunca ocuparão o papel do empregador e não têm qualquer perspectiva de carreira. Do ponto de vista do médico-empregador, são essencialmente um custo. A relação estabelecida é muito precária de ambos os lados, pois não há, a princípio, interesses comuns de longo prazo. Um precisa de serviços, cada vez mais substituíveis por recepções compartilhadas, empresas de limpeza, softwares de auto-agendamento etc. Os funcionários precisam do pagamento e podem a qualquer momento trocar este consultório/clínica por qualquer outro empregador. Por mais frio que pareça, o melhor que este médico tem a fazer é encarar sua equipe com pragmatismo: tratá-los bem, para que não o abandonem repentinamente e tratem bem aos clientes do médico, e estar apto a os substituir a qualquer momento por alternativas mais econômicas. Entenda “estar apto” tanto do ponto de vista emocional, quanto prático. Não há ganhos em investir no desenvolvimento destes empregados (a não ser em algumas tecnologias básicas, como o manuseio de um software de agendamento) e ainda menos há ganhos em aumentar o salário real* dos empregados ao longo do tempo.

Para o médico empresário, o cenário é muito diferente. A forma mais comum de se ficar rico, como bem salientou Karl Marx, é através do trabalho dos outros. Um médico que empregue outros médicos tem uma oportunidade de transformar sua prática em um negócio vibrante, de longo prazo e amplas perspectivas. Raramente, contudo, encontramos médicos que explorem esta oportunidade em todo seu potencial. Por ser um artigo de um blog, e não um livro, a abordagem será muito geral. Tratemos de duas boas recomendações para uma clínica tornar-se um negócio altamente rentável: diferenciação e personalidade.

Diferenciação. A princípio, uma clínica é igual a outra clínica no olhar do leigo, o que é o pior cenário para um empresário. Isto se chama commodity, como são commodities a carne e a soja. Commodities são tipicamente os produtos mais baratos em seus mercados, por serem facilmente substituíveis. Contudo, você conhece certamente clínicas em uma mesma especialidade médica e as qualifica com adjetivos diferentes: mais atenciosa, mais charmosa, mais austera, mais bagunçada, mais bela, mais feia, mais acolhedora etc. O melhor que uma clínica pode ambicionar é ser percebida por um conjunto de qualidades difíceis de copiar. Por exemplo, ter um determinado método de remoção de manchas de pele que depende de um aparelho cuja operação seja de conhecimento de quem realizou uma determinada especialização complexa e cara.

Personalidade. Cada vez mais se ouve profissionais de marketing, de qualquer segmento, falar em prover ao cliente uma experiência. Em outras palavras, trata-se de um conjunto de percepções e sensações que temos ao frequentar um espaço ou usar um produto. A experiência ao usar uma clínica começa quando ligamos para ela, ou consultamos sobre ela na internet, e só se encerra se um dia pararmos de ter contato. Uma boa personalidade é aquela em que o cliente tem uma expectativa no contato com cada pessoa e processo da clínica, e que esta expectativa se realize. Para algumas clínicas, pode ser a velocidade e confiabilidade, para outras pode ser o tratamento carinhoso, para outras, ainda, a esnobação e pretensão (acredite, há quem pague mais caro para ser humilhado com longas esperas, indisponibilidade do médico ao telefone etc).

A gestão de pessoas é o tema mais importante para uma clínica atingir diferenciação e personalidade que se mantenham mesmo no eventual afastamento de seu fundador/criador. Considere os exemplos abaixo:

  • Identificar um cirurgião talentoso, enviá-lo para uma formação semi-exclusiva no exterior, amarrado a um contrato forte de prestação de serviço e de não concorrência.
  • Formar uma equipe de atendimento com padrão Disney (ou Inhotim – clique aqui para conhecer, se quisermos ficar em um exemplo brasileiro de excelência em serviços), apta a cativar os pacientes. É improvável que esta equipe saia para criar uma concorrência, pois não tem a formação médica.

Espero que a esta altura já tenha ficado claro que este cenário é o exato oposto do mini-empregador em termos de relação empresa-empregado. Há um interesse mútuo do dono da clínica e de seus funcionários em uma relação de longo prazo. Uma empresa de serviços é essencialmente pessoas, em especial pessoas que se aperfeiçoem e aumentem sua produtividade ao longo do tempo. Para o empregado, é provável que a empresa que cresce tenha oportunidades de crescimento profissional e de remuneração para diferentes cargos e funções. Aqui o pragmatismo cede lugar ao profissionalismo. Deve-se buscar uma mentalidade de recursos humanos que concilie o desenvolvimento de competências da equipe e o aumento de resultados para os profissionais (pode chamar isto de relação ganha-ganha, se você gosta de chavões).

joaoTexto de autoria de João Carlos Ferreira, executivo da área da saúde, economista com especialização em marketing e coaching e um dos fundadores da FTR Desenvolvendo Pessoas.

* Salário real, para quem não tem formação em finanças, é o salário medido em poder de compra, ou seja, se você contrata um profissional por R$ 1.000 ao mês, e a inflação esperada for de 5% ao ano, você deveria considerar que após 12 meses este profissional estará lhe custando o equivalente, no dia da contratação, R$ 950. Logo, o salário real, medido em quantidade de bens e serviços que se pode comprar com o salário, reduz a cada dia entre um reajuste e outro. O mesmo acontece com todas as contas e rendas que têm valor definido, como o reembolso do convênio, o valor da consulta etc.

Equipe ACS

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